segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Setembro
















the national | about today

Tudo lhe doía
de tanto que lhes queria:
a terra
e o seu muro de tristeza,

um rumor adolescente,
não de vespas
mas de tílias,

a respiração do trigo,
o fogo reunido na cintura,
um beijo aberto na sombra,
tudo lhe doía:

a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,
o carmim entornado nos espelhos,
os lábios,
instrumentos da alegria,
de tanto que lhes queria:

os dulcíssimos melancólicos
magníficos animais amedrontados,
um verão difícil
em altos leitos de areia,
a haste delicada de um suspiro,
o comércio dos dedos em ruína,
a harpa inacabada
da ternura,
um pulso claramente pensativo,
lhe doía:

na véspera de ser homem,
na véspera de ser água,
o tempo ardido,

rouxinol estrangulado,
meu amor: amora branca,
o rio
inclinado
para as aves,
a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,

o silêncio torrencial,
a reverência dos mastros,
no intervalo das espadas
uma criança corre
corre na colina
atrás do vento,

de tanto que lhes queria,
tudo tudo lhe doía.

Eugénio de Andrade

1 comentário:

maria joão moreira disse...

Lindo... não sou capaz de outro comentário, a não ser este... absolutamente lindo! obrigada